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quarta-feira, 6 de maio de 2015

Um recanto espiritual à beira da BR-386

Um grupo de pessoas resolve mudar de vida: sair da cidade e viver de forma alternativa em uma Morada da Paz

O trânsito constante, os acidentes frequentes, o movimento e o barulho da BR-386 impedem que quem passe pela rodovia acredite na existência de um recanto de tranquilidade e calmaria próximo dali. Entretanto, a poucos metros do acostamento, em uma área de terra tomada pelo verde de plantas ainda remanescentes da Mata Atlântica, a Morada da Paz é a prova de que isso é possível. O paraíso espiritual, de beleza delicada e simples, é a casa de 20 descendentes quilombolas e indígenas, que vivem de forma ecológica e em harmonia com a natureza.


Já na entrada dos sete hectares de terra, um dos muitos rituais praticados pelos moradores e visitantes. “A volta na fogueira, em sentindo horário, é um movimento de acolhimento. O fogo tem a energia da transmutação, é onde tu deixa todos os teus problemas”, explica Rogério Ferreira Teixeira, um dos residentes da Morada. Segundo ele, todos os ritos são próprios da comunidade, inspirados no Budismo, nas crenças indígenas e afro-brasileiras. Localizada na divisa dos municípios de Montenegro e Triunfo, a Morada é tomada, em grande parte, por mata virgem, o que reforça a ligação de seus moradores com a natureza.




Rogério é conhecido na comunidade como Baogan, denominação própria dos moradores, dada de acordo com as ocupações e responsabilidades de cada um. Segundo Rogério, hoje vivem na Morada 12 adultos e oito crianças, cada um com sua rotina dentro e fora da área. “Apenas dois adultos trabalham fora. Os outros se ocupam com o trabalho de dentro da Morada, como as hortas, pomares, animais e as casas de convívio”, conta. Segundo Rogério, todas as crianças estudam em escolas próximas durante um turno do dia e, no restante, ficam na comunidade, aprendendo mais sobre espiritualidade, partilha e costumes de seus antepassados. Além disso, pequenos cursos e atividades culturais também fazem parte da rotina dos pequenos. De acordo com Rogério, a Morada é um local reconhecido quilombola e possui o título de Ponto de Cultura Omorodê (infância em Yrùbá), voltado para a educação e o lazer das crianças da Comunidade e das localidades próximas. A partir do projeto, elas têm a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a história e a cultura do povo negro.


A Colônia de Férias é outra atividade realizada pela comunidade para os jovens. “A cada verão, recebemos dezenas de crianças da região. Já chegamos a ter mais de 80 participantes”, ressalta. A ação acontece em fevereiro e dura quatro dias. “Os pequenos ficam aqui, fazem trilha na mata, tomam banhos de açude, participam de brincadeiras, gincanas e apresentações artísticas”, destaca. Além das atividades voltadas à infância, a Morada da Paz é palco de ações durante todo o ano, promovidas para jovens, adultos, mulheres e homens de dentro e de fora da comunidade. “Todos deveriam saber que tudo vibra e tem vida. Cada pedra, cada árvore, cada ser. E é isso que tentamos mostrar e viver sempre”, conclui Rogério, acrescentando que as fitas coloridas nas árvores servem para deixá-las mais bonitas e alegres, criando um ambiente positivo.

A busca pelas velhas centenárias 

A comunidade existe de forma organizada e registrada desde 2002, mas teve seu início anos antes, quando Rogério e um grupo de amigos se reuniram para estudar paranormalidade e mediunidade. “Montamos um grupo chamado Cosmos, Grupo Universal de Estudo e Aplicabilidade da Mediunidade e Paranormalidade, em Porto alegre. Alugamos uma casa e começamos a estudar um pouco sobre tudo isso. O grupo de estudo foi o que deu origem a essa ideia”, recorda. Moradores de diversas cidades da região metropolitana, nem todos do Cosmos foram para a Morada, mas todos os fundadores são do Cosmos. “Aqui achamos um espaço em que podemos estar juntos, vivendo e compartilhando as mesmas coisas”, explica Cláudia Rocha, a Iyamorô.


Porém, encontrar o terreno ideal para pôr em prática os projetos e ideias da comunidade não foi nada fácil. “Chegamos aqui a partir de uma orientação dos nossos guias espirituais, que nos informaram que deveríamos nos instalar em um lugar que tivesse ‘duas velhas centenárias’. Isso poderia ser qualquer coisa, casas, árvores, pessoas...”, diz Cláudia. Algum tempo depois de tomada a decisão da fundação de um grupo organizado, um dos membros da comunidade viu em uma página de classificados do jornal, o anúncio: “vende-se terreno de 4,2 hectares com duas figueiras centenárias”. “Estavam ali as nossas velhas centenárias.” Depois de três meses de negociação, o grupo conseguiu comprar a área, limpando as cadernetas de poupanças, vendendo bens e resgatando economias.

Quando chegaram, a área tinha apenas uma pequena casa de madeira. Desde lá, foram construídas uma casa para os moradores, a Casa Verde, que recebe os Demoradores (moradores de finais de semana) e os visitantes, e a Bioconstrução, feita de barro e taquara. Além disso, há ambiente para oração e rituais, e uma área própria para as barracas.


Por Fernanda Fauth, Luan Pazzini, Manoela Petry e Natália Scholz.

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